LEO: Leilão de Expansão Otimizada
Escrito por Alexandre Street
Este artigo é parte de um trabalho em conjunto com Rafael Benchimol, Joaquim Garcia, Luiz Barroso, Bernardo Freitas ainda não finalizado e que em breve será publicado
20 de abril de 2025
O mercado de eletricidade brasileiro tem passado por transformações estruturais significativas nas últimas décadas, fortemente marcadas pelo uso contínuo e crescente de subsídios. Originalmente concebidos como instrumentos estratégicos de incentivo para promover a universalização e a diversificação da matriz energética, esses subsídios, com destaque para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), têm se distanciado progressivamente dos seus objetivos iniciais. Criada em 2002 pela Lei 10.438, a CDE visava assegurar a universalização do acesso à energia elétrica e fomentar fontes renováveis através de subsídios direcionados e temporários, com previsão clara de encerramento em 2027. Entretanto, após alterações regulatórias significativas em 2013, especialmente com a Lei 12.783, esses incentivos ganharam caráter quase que permanente e bastante ampliado, resultando em um crescimento exponencial dos custos associados, que saltaram de menos de R$ 5 bilhões em 2012 para mais de R$ 40 bilhões em 2024.
Uma das consequências diretas deste cenário é a expansão desordenada das fontes renováveis intermitentes não controláveis, como eólica e solar. Embora fundamentais para a transição energética e a diversificação da matriz elétrica, estas fontes atingiram um estágio de maturidade que já não justifica plenamente a manutenção dos elevados subsídios atualmente vigentes.
É importante mencionar que estas fontes possuem uma característica peculiar que as distingue das demais fontes convencionais. Elas aumentam a oferta de energia (soma total de MWh's produzidos ao longo do mês ou ano) ao sistema, mas por conta de dependerem de recursos (sol e vento) que variam de forma aleatória, aumentam também a demanda por flexibilidade e controlabilidade (capacidade de variar e definir, respectivamente, a geração a cada segundo de forma precisa).
Vale lembrar que o sistema precisa manter o equilíbrio entre geração e demanda em todos os momentos para não colapsar. Portanto, as fontes que injetam energia de forma aleatória impõem às fontes controláveis um trabalho adicional de compensação síncrona não trivial (serviços ancilares), o qual concorre com o serviço de fornecimento de energia tradicionalmente remunerado pelo mercado. Assim, a perpetuação desses incentivos tem gerado desequilíbrios estruturais profundos no setor, resultando em distorções significativas no mercado. Essas distorções fazem com que o mercado de eletricidade se torne efetivamente disfuncional e incapaz de cumprir seu papel fundamental: incentivar as fontes e recursos importantes para o sistema e desincentivar aqueles que não são ou que já existem em excesso.
Como tentativa paliativa para mitigar esses desequilíbrios, recentemente têm sido propostos leilões de reserva de capacidade (LRCAP) com reservas específicas de mercado para usinas térmicas. Apesar da intenção positiva de garantir a segurança energética e a confiabilidade do sistema, o modelo proposto para esses leilões apresenta diversas falhas, uma das quais na forma como os benefícios para a operação do sistema são computados. Um exemplo é a estimativa fixa de 120 acionamentos anuais para cada projeto atender à ponta, independentemente do seu custo variável unitário (CVU). O cálculo inadequado desses benefícios, combinado a uma lógica de reserva de mercado que prioriza certas tecnologias em detrimento de outras, resulta em decisões economicamente ineficientes e questionáveis do ponto de vista regulatório. Além disso, esses leilões não são capazes de avaliar adequadamente atributos essenciais como energia, flexibilidade operacional, emissões, serviços ancilares e a própria capacidade efetiva de atendimento à ponta, levando a alocações míopes e custos adicionais desnecessários.
É importante notar que o LRCAP, que objetiva contratar capacidade de potência adicional para ser utilizada em certos momentos críticos, levará também junto com a capacidade a energia e os demais atributos das fontes arrematadas. O problema com isso é que pode não ser ótimo para o sistema utilizar as termelétricas selecionadas pelo critério de capacidade para fornecer todo os demais atributos combinados, principalmente a energia. Diante dessas limitações, torna-se imperativa a busca por um formato de leilão que seja agnósticos em relação às fontes e capaz de avaliar de forma integrada e endógena todos os atributos relevantes para a operação do sistema elétrico brasileiro. Essa abordagem é necessária para reduzir os desequilíbrios existentes entre as fontes, evitando distorções adicionais e promovendo uma expansão sustentável, justa e eficiente para quem paga toda essa conta.
Diante desse quadro, começamos a estudar um mecanismo alternativo e inovador de leilão, que denominamos de Leilão de Expansão Otimizada (LEO). O LEO é concebido como um leilão em que os agentes ofertam os custos e parâmetros dos seus projetos – como normalmente é feito nos leilões de energia – e o leiloeiro seleciona os projetos por meio de um modelo de expansão da geração e transmissão integradas. Ver infográfico a seguir.
A tese por trás deste desenho é que os leilões são bons mecanismos de descobrir o menor preço dos agentes e a melhor combinação tecnológica e financeira a ser empregada. Já os modelos de expansão e operação são bons em calcular portfolios ótimos e os benefícios da operação integrada das fontes, dados os seus custos e arranjos tecnológicos.
Assim, o desenho proposto visa unificar duas ideia anteriormente vistas como alternativas: os leilões de nova capacidade e o processo de planejamento centralizado. A proposta do LEO busca trazer o melhor de cada abordagem para criar um novo mecanismo híbrido, que pode ser utilizado para complementar a expansão, quando necessário. É importante mencionar que o desenho aqui proposto — no qual o leiloeiro é substituído por um software de otimização — é comumente empregado nos leilões de mercados de dia seguinte em sistemas mais maduros (PJM, CAISO, ERCOT, etc.). Nesses mercados, os agentes também ofertam os parâmetros de suas usinas, e o leiloeiro executa um modelo computacional de unit commitment com restrições de rede e segurança para definir as ofertas vencedoras para o dia seguinte. Portanto, a inovação do LEO reside em trazer a ideia de um leiloeiro otimizador, largamente adotada nos leilões de dia seguinte americanos, para o âmbito da expansão de nova capacidade.
Mais objetivamente, o LEO tem como objetivo, dadas as ofertas realizadas (CAPEX, OPEX e demais parâmetros que definem cada projeto), selecionar os projetos de geração de forma a minimizar o custo total de investimento e operação, atendendo aos critérios de confiabilidade exigidos pelo operador. Nesse processo, o software de expansão utilizado como leiloeiro deverá considerar, de forma detalhada, os benefícios da operação integrada entre as fontes candidatas, o parque gerador existente e a rede de transmissão. Portanto, no LEO, os projetos são selecionados como um portfólio ótimo, escolhido dentre todas as combinações possíveis para atender aos requisitos de mínimo custo e confiabilidade. Mas diferentemente dos leilões combinatórios, onde diversos produtos são definidos e o leiloeiro combina as ofertas multiatributo dos agentes para maximizar o benefício total ao sistema, no LEO, os atributos necessários para o sistema (energia, potência, flexibilidade, serviços ancilares, localização) são todos considerados endogenamente através da otimização da expansão e operação no software do leiloeiro.
Neste desenho, não há a necessidade de se calcular garantia física, de se definir o que é flexibilidade, ou mesmo de se realizar leilões regionais ou por fontes. Os projetos são todos comparados pelo que é melhor para o consumidor. Se um projeto possui custos fixos (CAPEX e OPEX) levemente superiores aos de um outro projeto, mas sua operação se dará no local certo e com os atributos que o sistema precisa, ele será selecionado exatamente como ocorreria num planejamento determinativo centralizado. A diferença é que não será necessário que o planejador descubra os custos nem os arranjos comerciais, coisa de empreendedor. Além disso, o LEO pode e deve contemplar a expansão da rede de transmissão e da infraestrutura de gás, por exemplo, para garantir que os parques selecionados serão os melhores em termos de custos globais para o sistema.
Em um contexto mais amplo, o LEO pode ser visto como uma solução mais estrutural e alternativa não apenas aos LRCAPs, mas também aos Leilões de Energia Nova (LEN) e aos Leilões de Energia de Reserva (LER). Ele se utiliza de um processo de expansão clássico e já realizado, para o qual a expertise da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) está amplamente disponível e já consolidada. Contudo, em comparação com os demais leilões, que possuem grande foco nos geradores, o LEO direciona o foco para o consumidor, explicitando o nível de qualidade exigido no fornecimento e o seu custo total. Assim, o LEO mitiga a necessidade de leilões por fonte e regionais para complementar atributos que não foram considerados previamente em razão da incapacidade dos desenhos anteriores em contemplar os múltiplos atributos das fontes. Por fim, o LEO pode ser utilizado em qualquer sistema elétrico do mundo, dependendo apenas da seleção apropriada do modelo de expansão que atenda aos requisitos regulatórios identificados para cada situação.
Este é um desenho ainda conceitual e em testes. Estamos testando o seu desenho na dissertação de mestrado do Rafael Benchimol Klausner e contamos com um grupo de colaboradores de altíssima qualidade, Joaquim Dias Garcia, Bernardo Freitas Paulo da Costa e Luiz Barroso. Estamos agora trabalhando na confecção de testes computacionais para começar a validar as ideias e avaliar os benefícios em comparação com os desenhos existentes.